29 outubro 2005

Um pouco de filosofia de boteco por aqui.

Final Fantasy - A realidade em xeque




No final da década de 90, alguns sindicatos de Hollywood fizeram greves para reivindicar melhores condições e participações em filmes. No intuito de abrir mão do material humano, um grupo de produtores resolveu investir em um ambicioso projeto de animação em terceira dimensão, sem a necessidade de filmar qualquer humano, porém representando-o, e de forma extremamente realista. Foi quando surgiu o filme Final Fantasy.


Com cerca de quatro anos de produção, que totalizaram o gordo orçamento de 137 milhões de dólares, o longa de Hironobu Sakaguchi e Motonori Sakakibara é indubitavelmente um marco na história do cinema, mesmo com uma premissa e roteiro pra lá de questionáveis. Ele traz para as telas o supra-sumo do avanço tecnológico em matéria de animação gerada em computador, e, pela primeira vez, uma tentativa assumida de reproduzir humanos como eles realmente são. Ao contrário de Toy Story ou Shrek, que fazem excelentes caricaturas humanas, Final Fantasy opta por exibir humanos animados da maneira mais próxima da realidade.


Sabendo disso, não fica difícil perceber que o filme utiliza imagens de terceira geração, e que elas são análogas à nossa realidade concreta. A idéia de não utilizar um referencial real direto, mas sim tentar gerar imagens que simulem a realidade, acaba por abrir caminho para algumas questões extremamente pertinentes. Como exatamente é feito o universo tridimensional do filme? Será que um dia o cinema será feito apenas no universo da terceira dimensão? Até quando será possível distinguir a realidade do virtual? Os novos recursos trazidos pela animação devem apenas tentar reproduzir a realidade, ou tentar também gerar novos conceitos, antes inconcebíveis? Esses recursos não estariam substituindo a criatividade, e sendo o fantástico apenas pelo fantástico?


A começar por sua origem, Final Fantasy já tem algo de peculiar. Adaptado dos videogames, o filme parece mesmo querer se misturar entre o universo digital e o cinematográfico. Mas até que ponto o espectador terá consciência de que está assistindo a um imenso aglomerado de “zeros” e “uns” renderizados em modernas estações gráficas, em vez de atores reais, fotografados da maneira convencional? Em algumas cenas essas distinção não parece muito nítida, demonstrando que não estamos tão longe de reproduzir apenas com algoritmos a realidade. Mesmo em filmes onde encontramos um referencial real, há um crescente uso de técnicas digitais para baratear ou viabilizar determinados roteiros. E muitas vezes não é possível distinguir o que é realmente filmado e o que é gerado nos softwares 3D, como o Maya, por exemplo. É o caso de Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, que mistura atores reais com cenários inteiramente criados em computador, muitas vezes confundindo o espectador com o que é real ou digital. Essa idéia, por vezes, pode ser assustadora para alguns. Será que um dia iremos nos excitar com polígonos? Basta lembrar que a personagem Aki Ross do filme curiosamente foi eleita uma das cem mulheres mais sexy do ano, e já teve até a oportunidade de realizar ensaios fotográficos para algumas revistas reais. O filme Clube da Luta, por exemplo, numa espécie de parênteses, quase levou essa idéia realmente a sério, gerando uma cena de sexo que não parece deixar muitas pistas de que foi toda feita em computador. Mas não tão longe, temos o caso das populares revistas masculinas, que retocam cada vez mais (e em uma crescente perda de pudor) as imperfeições das modelos fotografadas. Não é à toa que os fotologs de pessoas comuns e reais têm um sucesso cada vez maior.

Continua...

2 Comentários

At 29/10/05 13:20, Anonymous Anônimo said...

Uma Questão:

Usando softwares possivelmente conseguiremos simular no futuro a voz de qualquer pessoa e usando a computação gráfica poderemos criar qualquer pessoa, será que não teremos um filme estrelado por Marlon Brando ou Tom Cruise e Tom Hanks pelo resto da vida?

É só questão da família dos falecidos liberarem o uso de imagem deles...

 
At 29/10/05 19:39, Blogger Marcel Kunzler said...

No recente filme "Capitão Sky e o Mundo de Amanhã", o vilão é o grande ator inglês Laurence Olivier, falecido em 1989. Porém, víamos apenas seu rosto. A equipe usou imagens de arquivo alteradas digitalmente para fazê-lo falar as falas. Não estou certo de como foi feito o áudio.

Acho que isso que você fala é algo que vai acabar acontecendo, infelizmente. Espero que nenhuma família libere isso no futuro. Espero que haja uma maneira dos atores poderem proibir isso.

É ridículo fazer um morto atuar. Como isso seria possível? Se for uma animação ultra-realista com as feições de Tom Hanks, por exemplo, quem está atuando é na verdade o animador, a pessoa que vai constuir o modelo digital e não o ator.

O que devia ser feito é usar a tecnologia que já é disponível para alargar as "barreiras físicas" do cinema e da atuação. Explico: usar o sistema de modelagem 3D e o motion-capture para colocar o ator, digitalmente, em situações que seriam impossíveis de se filmar na realidade. Algo como usar o Keanu Reeves para brigar com 100 Agentes Smith. Mesmo quando ele se torna um boneco digital, é ele que está atuando. Isso é legal, isso deveria ser melhor explorado. Mas com os vivos, não os mortos.

Deixem os mortos em paz. Coitados.

 

Postar um comentário

<< Home