07 novembro 2005

Gosto não se discute?

Gosto não se discute é uma daquelas frases que todo mundo diz, mas que ninguém compreende exatamente. Frases feitas só funcionam se conhecemos o contexto delas; George Orwell apontava como uma das formas de destruição da língua inglesa exatamente o uso abundante de frases prontas, as quais ninguém mais sabe, ou de onde vieram, ou o que significam¹.

Portanto, que tipo de gosto não se discute? E por qual motivo não se discute?

Gosto é a expressão de um desejo subjetivo. Se eu gosto de um filme, e digo que esse filme é bom , porque ele me dá uma sensação boa, então, estou fazendo uma afirmação sobre eu mesmo e ela só vale para o filme em relação a mim. Isso significa que eu gostei das sensações que o filme me causou. Neste caso, concordo plenamente que gosto não se discute, pois como alguém pode querer provar que eu não senti o que senti? Aliás, esse é o único contexto em que essa expressão pode ser realmente verdadeira.

Porém, esta expressão, nesses dias de relativismo, é usada não para que se possa defender o direito de se ter sensações em paz após a apreciação de um filme, mas para que se possa elevar estas sensações ao nível de juiz supremo do padrão de beleza.

Essa atitude é que causa todos os problemas.

É aqui que entra a função de um crítico que é exatamente fazer a distinção entre o que é bom para ele e o que é bom independentemente dele, ou seja, a diferenciação entre bom cinema e cinema bom. Mas isso exige tempo e dedicação - algo que a maioria das pessoas não gostaria de fazer - que o levarão, se for honesto consigo mesmo, a ter boas sensações com aquilo que é belo, unindo assim o bom cinema com o cinema bom, o que é a definição mesmo de bom gosto.

Os ataques que a maioria dos críticos recebe, basta ver os fóruns do Cinema em Cena, ocorrem exatamente porque - em tempos de relativismo - qualquer pessoa que se diga detentora de um pouco de verdade já é considerada arrogante, algo que não deixa engraçado, já que na verdade estas pessoas que não aceitam que o crítico se curve perante as regras da estética adorariam que ele o fizesse perante as sensações que elas tiveram: algo que é tão arrogante quanto idiota.

Portanto, gosto realmente não se discute, e na verdade nunca se discutiu, o que se discute são filmes.

Abraços...

1- Ler o ensaio aqui. As frases prontas, fora de contexto, acabam por não significar nada e, por isso, as pessoas acabam colocando nelas o sentido, ou que querem, ou que são levadas a colocarem, sentido esse que pode ser controlado para fins políticos. É nesse tom que se dá o puxão de orelha dado por Orwell.

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Para quem não sabe a definição de beleza, ei-lá aqui:



4 Comentários

At 8/11/05 09:05, Blogger Unknown said...

Bacana seu texto. Gostei de ver seu discurso contra os preconceitos que críticos recebem. Estou fazendo um curso de Critica com o Pablo Villaça do Cinema em Cena, e ele diz isso também.
PS.: Convenhamos Monica Belluci é linda demais.

 
At 8/11/05 12:24, Blogger Carlos Eduardo Chies said...

Como é o curso?

abraços...

 
At 8/11/05 17:52, Blogger Unknown said...

O cara é bacana. Tem um conhecimetno profundo de cinema e da linguagem. O curso é dividido em duas partes - História do Cinema com Rafael Ciccarini, que assina o Moviola no Cinema em Cena, e Crítica cinematográfica com o Pablo. Aos leigos em cinema uma passada pela história ajuda no que Pablo vai explicando durante o curso. Para quem tem algum conhecimento, as aulas de história ajudam conectar os vários movimentos cinematográficos, além de elucidar sobre a importancia de alguns filmes ao longo da historia. O Pablo conhece muito. O Curso ainda não acabou, assim que terminar comento mais com você.

 
At 20/11/05 13:28, Blogger Delerue said...

O tema é fascinante, mas definitivamente polêmico. É evidente que um estudioso de Cinema tem mais bagagem para discorrer sobre uma obra da sétima arte do que um leigo. A questão toda é que estamos falando de arte, então não existe certo, melhor, errado ou pior. Algumas pessoas podem achar 'corte no eixo' lindo, e outras podem julgar errado. O mesmo pode valer pras regras de continuidade no que diz respeito a pontos de vista, entradas e saídas de personagens, plano e contra-plano etc. No fundo, tudo isso são opções estéticas, que hora ou outra caem na moda, e depois saem. Tem gente que gosta até de filme B, hehehe. E se você questionar, é capaz de ouvir bons argumentos.

O mais engraçado de toda essa história é ouvir os ditos especialistas em arte falarem com desdém de quem aprecia o que eles julgam superficial. Ora, são opiniões baseadas em preferências pessoais. Qualquer argumento pode ser pura balela pra tentar defender um sentimento completamente irracional.

Enfim, por que gostamos do que gostamos? Enquanto não respondermos essa questão vai ficar complicado discutir gostos. Até então não se obteve muito sucesso em avaliar sentimentos com a razão, e vice-versa.

No mais, concordo plenamente com sua crítica ao relativismo pós-moderno. Realmente é algo um tanto irritante ouvir pérolas como 'tudo é relativo'.

Falow!

 

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