O Senhor das Armas
"Don't worry. I won't tell you a pack of lies to make me look good: I will only tell you what happened" com estas palavras começa a narrativa de Yuri Orlov um negociante de armas. O filme, assim, já começa anunciando que não se propõe – e no final cumpre com o combinado – a ser um filme panfleto, ou seja, não quer reduzir a realidade aos extremos de certo e errado - como fazemos quando crianças -, mas sim retratá-la como um arco-íris cheio de tons entre o branco e o preto.
A arte nada mais é do que uma tentativa de imitar a realidade, já que é impossível conceber algo que não faça parte da manifestação da realidade como a captamos, isto é, tudo e qualquer coisa que alguém retrate através da arte é apenas um recorte de algo maior: a grandeza de uma obra de arte, portanto, esta em captar o máximo possível da realidade – ou, para continuar a analogia bonitinha acima -, em pintar com a maior quantidade de tons entre o certo e o errado o tema exposto.
O contrário é o panfleto – que nada mais é do que discurso retórico -, onde geralmente há dois lados: um deles pinta-se com um branco brilhoso e o outro com um preto demoníaco. O que poucos parecem perceber é que a conseqüência direta da panfletagem é que já não há mais arte; há apenas retórica. A função de qualquer crítico decente – e isso é difícil de achar hoje em dia, pois muitos deles andam de chinelo e acham fumar cachimbo feio (hereges!!) - é tornar clara o porque do usos de determinadas cores pelo artista: a panflatagem, portanto, deveria ser vista por eles como uma tela vazia, sem profundidade¹.
Mas voltando ao filme, porque falar mal de críticos é tão demode, o grande trunfo de “O Senhor das Armas” é que ele retrata o mal no mundo. Tendo as armas como símbolo, ele não se omite em demonstrar que as armas, embora facilitem, não são as responsáveis pelas genocídios: as pessoas o são. Inclusive, há um certo exagero para isso: Jean-Pierre Nshanian é, ou não é, o personagem mais malvado da face das películas?
Aparentemente, por te sido narrado por Yuri, a impressão que tive é de que nosso negociante de armas não tinha consciência; mas, depois de fumar meu chachimbo bebendo um vinho Chileno à minha lareira, percebi que não há simbologia mais clara: a consciência de Yuri é seu irmão Vitaly! [SPOILER] Analisem comigo, assim que Yuri aceita drogas, que destroem pessoas de forma muito pior que armas, seu irmão fica viciado e durante todo o filme irrecuperável, até que Yuri decide, por pressão da esposa, o único personagem do filme que desce e volta do inferno, tentar seguir uma vida honesta. Porém, logo que Yuri volta para a negociação de armas, em uma cena que nada mais é do que a luta de um homem com sua própria consciência, seu irmão morre. No final, lá está Yuri, sem consciência, anunciando que o principal segredo para sobreviver é “never go to war... especially with yourself”[SPOILEREND]. A analogia é tão óbvia que me senti meio bobo por não tê-la percebido antes, ou talvez tenha sido o vinho, nevermind.
A consequência direta dessa interpretação é que o mundo é retratado como um lugar cínico, onde o bem está sempre perdendo para o mal, e neste ponto está - ao meu ver, meu caro leitor relativista, ao meu ver!! - o grande problema do filme. Pois, é aqui está o real aspecto do mal que Yuri demonstra claramente, o mal só prejudica realmente quem o pratica, porque ele não esta interessado em matar ninguém, sabendo da vida após a morte e da salvação da alma inocente, mas em providenciar que a alma do pecador seja dele por toda a enternidade.
A cena que, em um exemplo do poder que a verdadeira arte alcança, o filme retrata a descida aos infernos da alma de Yuri é a que Jack Valentine, após ouvir daquele os motivos que nos fazem, por alguns segundos claro, duvidar da existência de Deus, este o olha nos olhos e diz: “I would tell you to go to hell, but I belive you're already there”. O poder que esta frase alcança, quando pensamos na existência da possibilidade do mal no coração humano, e de como somos os maiores prejudicados por ele, saindo, então, da visão simplista de um xingamento é o que separa o filme panfleto de uma obra de arte. Portanto, convoco todos a queimar os filmes panfleto na fogueira, pode ser na da lareira aqui de casa, mas, por favor, tragam o vinho....
1 - Portanto, quando um crítico de cinema, que deveria ser o guardião da arte diz algo como :
"(...) Ao contrário de praticamente todas as obras igualmente críticas do governo Bush (...) sua mensagem obviamente panfletária não se esconde por trás de simbolismos sutis que poderiam disfarçar sua verdadeira natureza: seu discurso é claro e inegável [inegável!?!, vai ter certeza assim lá em casa, convencendo a minha mãe de que eu deveria ganhar um carro novo] e, com isso, corre grande risco de espantar os espectadores que estão em busca apenas de escapismo (justamente seu público-alvo). Isto não torna V de Vingança mais nobre do que seus companheiros, mas, como já dito, certamente mais corajoso por ter mais a perder.”
Sem perceber que suas preferências políticas o estão levando a congratular uma espécie de filme que só faz destruir a arte que ele deveria amar, eu simplesmente choro... de rir. A ignorância é dele, não minha.